segunda-feira, janeiro 22, 2007

Babel: cinema de uma língua só

Fui assistir ao festejado Babel, forte concorrente ao Oscar e vencedor do Globo de Ouro, como melhor filme dramático.

O que pude notar, além da semelhanca com Crash, vencedor do Oscar de melhor filme no ano passado, foi que Babel, com seu orçamento de 25 milhões de dólares, fala apenas uma lingua: o inglês norte-americano.

O filme tem como ponto central o Marrocos, onde dois garotos que utilizam uma arma para manter os chacais longe do rebanho, acabam acertando acidentalmente uma turista americana e o fato vira rapidamente um "ato terrorista", sustentado pela neurótica visão maniqueísta do mundo islâmico, praticada no ocidente. O filme tem ainda locações no Japão, Estados Unidos e México.

Há algumas considerações a ser feitas:

O Marrocos, um país africano, está longe das células terroristas localizadas no Oriente Médio. No entanto, o filme poderia ter sido rodado no Irã que não haveria diferença.

O Marrocos, país que tive a oportunidade de conhecer, foi manchado por uma visão negativa que não corresponde à realidade. Lá as pessoas nativas, os Berberes (que seriam os autores do "atentado") são muito trabalhadores e mantém os laços de família e com a comunidade baseados na religião. É impensável falar daquele país sem tocar no aspecto religioso, mas o filme fez isso de forma ridícula. Mostrou um Marrocos do imaginário norte-americano, onde a crença em Deus pode ser vista como um fábrica de homens-bomba.

Da mesma forma, mostrou um Japão onde os conflitos de uma jovem surda-muda poderiam muito bem ser de uma patricinha de Berverly Hills, de tão aculturada que a personagem é mostrada. No mundo japonês desse filme há mais lugar para o fetiche que envolve a sexualidade das colegiais nipônicas do que para a forte cultura japonesa.

O México exibido também é do pobre imaginário dos Estados Unidos, que têm os mexicanos como bêbados, irresponsáveis e inconseqüentes.

O mais estranho é que o diretor de Babel é mexicano, mas se deixou levar pelo imaginário hollywoodiano.

A melhor passagem do filme é a a que mostra um policial americano, na fronteira com o México, com ares superiores sobre um latino, interpretado por Gael García Bernal. Na sequência, aparece uma cena no Marrocos onde o turista americano, interpretado por Brad Pitt, despeja sua arrogância sobre o policial africano, sem que esse tenha qualquer reação.

Certamente, se os norte-americanos tivessem construído a Torre de Babel, a língua vigente seria o inglês da América, com as fortes cores dos preconceitos e do falso imaginário que o ocidente tem do milenar mundo do oriente.

Cansei desses filmes disfarçados de cults, que projetam os ideais de uma nação pobre culturalmente. Para ver coisas assim prefiro os mais explícitos, onde, no happy and, os norte-americanos salvam o mundo. Pelo menos dá pra rir, ao contrário do que acontece em Babel, que não tem graça alguma.

BABEL - FICHA TÉCNICA

Tempo de Duração: 142 minutos
Estúdio: Dune Films / Zeta Film / Anonymous Content
Distribuição: Paramount Vantage / UIP
Direção: Alejandro González-Iñárritu
Roteiro: Guillermo Arriaga

Sinopse: Um ônibus repleto de turistas atravessa uma região montanhosa do Marrocos. Entre os viajantes estão Richard (Brad Pitt) e Susan (Cate Blanchett), um casal de americanos. Ali perto os meninos Ahmed e Youssef manejam um rifle que seu pai lhes deu para proteger a pequena criação de cabras da família. Um tiro atinge o ônibus, ferindo Susan. A partir daí o filme mostra como este fato afeta a vida de pessoas em vários pontos diferentes do mundo: nos Estados Unidos, onde Richard e Susan deixaram seus filhos aos cuidados da babá mexicana; no Japão, onde um homem tenta superar a morte trágica de sua mulher e ajudar a filha surda a aceitar a perda; no México, para onde a babá acaba levando as crianças; e ali mesmo, no Marrocos, onde a polícia passa a procurar suspeitos de um ato terrorista.

Trailler:




3 comentários:

leticia goncalves disse...

Essa é a primeira crítica "crítica" que vejo sobre Babel. Bom saber que não é unanimidade.

Ainda assim, estou muito afim de ver o filme. Vi "21 gramas", do msm diretor, e gostei. Quero ver "Amores Brutos" também.

Claro que mesmo os filmes ditos "cult" têm limitações quanto às visões de mundo. Mesmo que seja um filme americano dirigido por um mexicano com locações em várias partes do globo.

Mas acho que essas limitações são, até certo ponto, benéficas.Elas dão mais humanidade aos filmes, afinal o que são os humanos se não seres limitados?

Ps: obrigada pelas informações sobre o Marrocos. Não sei se você lembra, mas aqui no Brasil a Globo usou o país africano como uma das locações da novela "O Clone".

Toda vez que penso no Marrocos, lembro das cenas da novela, que não posso atestar se são fiéis ou não à cultura marroquina (algumas um tanto improváveis), mas que deixaram uma boa impressão sobre o país.

Sergio Denicoli disse...

Pois é Letícia, o ser humano é limitado, mas no caso desse filme o diretor me pareceu limitado pela indústria cinematográfica norte-americana. Na minha visão, esse filme está longe da conplexidade exposta em 21 gramas. É um filme da moda, no estilo da moda, com um tema da moda, mas disfarçado de filme "de festival". Não gostei mesmo. Mas cinema sempre é bom, mesmo quando é ruim, portanto, não deixe de assistir.
Abç

Anônimo disse...

Percebi muito de sensibilidade nesse filme. Fazendo uma analogia à antiga lenda da Torre de Babel, na qual pessoas de todos o mundo fracassam diante do desejo de construir esta torre até às alturas, já que não falam a mesma língua,hoje, percebe-se exatamente isso: a dificuldade na construção de um mundo baseadno diálogo e no entendimento. Um mundo no qual os povos se desfizessem de seus códigos, "pré-conceitos" e se abrissem para entender o outro (seja um afegão, um marroquino, uma surda-muda, um pai sofrendo, um casal em crise... )
O mundo precisa muito disso e esse filme é muito bem vindo nos dias atuais em meio a guerras, conflitos religiosos e desigualdade!