terça-feira, setembro 05, 2006

LEITURAS: MANUEL CASTELLS - "O BRASIL É UM GIGANTE ECONÔMICO E UM DESASTRE SOCIAL"

É do sociólogo espanhol Manuel Castells (foto), a melhor definição do Brasil que já li. O texto está no livro "Entrevistas com Manuel Castells". Segundo ele:

"O Brasil é claro o país decisivo na América Latina e um dos mais importantes países do mundo. (...) O Brasil continua, ainda assim, a ser um dos países mais frustrantes do mundo. Como Cardoso (Fernado Henrique) disse na campanha eleitoral, o Brasil não é subdesenvolvido, é uma sociedade injusta. E por causa dessa injustiça, milhões de brasileiros continuam na marginalidade e sem educação e os problemas sociais e ambientais são tremendos.

O Brasil tem uma classe média muito instruída, muito bons profissionais liberais, uma indústria de tecnologia de ponta muito sofisticada, um sistema financeiro dinâmico, uma boa infra-estrutura de comunicações, depois da privatização, e o único setor industrial de exportação competitivo na América Latina. A Universidade de São Paulo produz mais investigação científica do que todo o resto da América Latina.

Simultaneamente, há uma sociedade civil dinâmica, um movimento comunitário ativo, um movimento sindical com grande militância, media modernos, e globalizados e uma classe intelectual sofisticada. Mas o Brasil enferma de demasiados grandes problemas que não melhoraram na última década e continuam a não deixar voar as enormes potencialidades do país. Primeiro a deseguladade social, a maior do mundo, a par do Haiti. Esta desigualdade passa para o setor público e reproduz-se no sistema de ensino, perpetuando assim os obstáculos à mobilidade social.

Penso mesmo que é funcional que a classe média, incluindo as camadas mais progressivas ideologicamente, possa viver muito bem, com muitos empregados e extraordinários privilégios, com a possibilidade de se aposentar aos 50 anos como professores universitários, com o ordenado por inteiro para o resto da vida - e arranjar outro emprego, mais bem pago.

Mesmo os sindicatos, que representam uma arsitocracia operária, num país onde 40% da força de trabalho está na economia paralela. Os sindicatos tentem a representar trabalhadores protegidos e relativamente bem pagos, na administração pública e nas modernas indústrias. O Brasil é urbano a 81%, pelo que a pobreza rural, embora desesperada, não conta para o grosso dos problemas sociais.

Assim, é uma sociedade na qual os atores sociais intervenientes são de fato os privilegiados, enquanto a ampla maioria dos pobres e marginalizados está empenhada em estratégias de sobrevivência e tona-se um apoio potencial da demagogia. A falta de perspectivas leva à influência messiânica, ao espalhar do crime e da violência, e à prevalência de redes de sobrevivência, tudo em contraste com um segmento da sociedade muito moderno e globalizado ao nível da produção e do consumo.


O outro grande problema é a classe política. (...) Há um nível muito alto de corrupção e política de roupa suja, no seio da qual a maioria dos políticos tende a defender os seus interesses próprios e das suas clientelas, com pouca preocupação pelo país ou qualquer projeto mais vasto.

E porque o Brasil é um verdadeiro Estado Federal, a fragmentação das políticas é reproduzida através da sua vasta geografia, tornando muito difícil governar o país em termos de políticas sociais. (...) Assim, o Brasil é um gigante econômico e um desastre social. A contradição entre o dinamismo do seu setor globalizado e o desespero da sua crescente e maioritária população marginalizada pode atingir níveis insustentáveis."

Nenhum comentário: