segunda-feira, março 26, 2007

Salazar e Cunhal: na televisão, uma mostra do crescimento de idéias anti-democráticas

Um programa da RTP - emissora pública de Portugal, chamado "Os Grandes Portugueses" escolheu, por meio do voto popular, a principal figura histórica de Portugal. Estavam no páreo nomes como Vasco da Gama, Fernando Pessoa, Marquês de Pombal, Camões, etc. Tal programa foi motivo de debates por todo país, durante vários meses.

Surpreendentemente, o mais votado foi o ditador António de Oliveira Salazar (foto) que obteve 41% dos votos. Durante quase meio século, a partir de 1932, Salazar esteve à frente do país por meio de um governo totalitário, baseado na "moral católica" e no surto colonialista. Uma ditadura que atrasou o desenvolvimento da nação, pois, como todo governo anti-liberal, não tinha interesse em investir na educação e formação intelectual da população. Foi com Salazar que, no fim dos anos 60, Portugal se tornou um dos países com um rendimento per capita mais baixo da Europa. No período do salazarismo quase dois milhões de pessoas emigraram das zonas rurais devido à miséria que se encontravam. A maioria foi viver na França, mas muitos foram para o Brasil, Venezuela, etc.

Em segundo lugar no concurso da RTP ficou Álvaro Cunhal, com 19% dos votos. Cunhal foi uma das mais fortes vozes do comunismo português. Foi perseguido pelo salazarismo e passou quase 12 anos preso. Ele encarnava o antagonista do Estado Novo.

É difícil para um estrangeiro entender a lógica de funcionamento de uma sociedade que pouco conhece. O que posso perceber, estando em Portugal há quase 3 anos, é que a democracia está desacreditada e o resultado disso fica explícito em algumas manifestações, como no caso desse concurso de uma televisão, criticado por historiadores pela sua fraca credibilidade.

Nota-se que há uma tendência popular para exaltar idéias totalitárias, de direita ou esquerda.

Em algumas cidades portuguesas, os políticos governam há mais de 30 anos, mesmo que sejam eleitos por voto direto. São reeleitos sucessivamente.

O país também realizou um plebiscito sobre a questão do aborto, que dominou a agenda midiática por meses e meses, mas não teve validade porque o número de pessoas que foi votar foi extremamente baixo.

Seja na Europa, ou na América, as idéias radicais, conservadoras ou de esquerda (se é que há diferença entre as duas) estão indo ao encontro dos anseios de uma sociedade que ainda não conseguiu entender o sistema político democrático.

É mesmo uma questão preocupante, pois, como disse Winston Churchill, em 1947:

"A democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos"

4 comentários:

Siona disse...

A "eleição" de Salazar não foi reflexo de um sentimento da população portuguesa, mas, provavelmente, só uma manipulação da votação do programa, via chamada telefónica de valor acrescentado, feita por um partido de extrema-direita, o Partido Nacional Renovador, com tendências abertamente fascistas / neonazis (e, teoricamente, ilegal), que tem tentado imiscuir a sua propaganda nos média e na sociedade.
Por exemplo, circularam SMSs dizendo aos destinatários que, se quisessem ganhar uma promoção do seu operador de celular, que ligassem para o número que elegeria Salazar.

A grande maioria da sociedade portuguesa está chocada com esta "eleição", que não representa o sentimento dos portugueses.

Sobre o referendo sobre a IVG, apesar da adesão ter sido abaixo dos 50%, por isso não constitucionalmente vinculativa, o governo do Partido Socialista já tinha anunciado que, caso o "sim" à despenalização vencesse, mesmo sem mais de 50% da população a votar, a lei mudaria à mesma. Neste momento, a IVG voluntária, a pedido da mulher, está legalizada até às 10 semanas.

Saudações do outro lado do Atlântico!

Siona disse...

Acrescento: antes do referendo, a IVG a pedido era ilegal, excepto em caso de risco para a saúde da mulher, malformação do feto, ou violação. Mas mesmo esses casos eram, muitas vezes, (ilegalmente) recusados pelas direcções dos hospitais públicos, já que persiste uma atitude retrógrada em relação a estes assuntos, entre a classe médica mais velha, que é a que (por enquanto) costuma controlar as direcções. Situação que já não se poderá continuar a verificar, felizmente.

Por isso, a vitória do "Sim" no referendo, foi vista com um avanço significativo na democracia portuguesa, que finalmente libertou a mulher para poder exercer os seus direitos reprodutivos.

Sergio Denicoli disse...

Muito obrigado pelos esclarecimentos. No entanto, há que ressaltar também a expressiva votação de Álvaro Cunhal.

Não acredito que é uma exclusividade de Portugal a tendência de se ressaltar governos autoritários. Veja a Venezuela e até mesmo os Estados Unidos e a onda conservadora que serviu como pano de fundo à reeleição de Bush.
São os velhos novos tempos.

Anônimo disse...

tristeza e vergonha.