sexta-feira, agosto 19, 2005

CIDADÃOS REPÓRTERES


O Jornal A Gazeta publicou nesta sexta-feira um artigo que escrevi sobre as mudanças que a Internet está provocando no jornalismo. Como o conteúdo online do jornal é só para assinantes, transcrevo aqui o texto:

Cidadãos repórteres

O que determina o que é notícia ou não? Até o advento da Internet, um dos conceitos que vigoravam era que o jornalista seria o elemento selecionador dos fatos, funcionando como um filtro. Fontes oficiais, como os governos, estariam no topo da lista de credibilidade dos profissionais da imprensa.

Mas a Web tem mudado a forma de se fazer notícia. A rede possibilita que pessoas comuns se tornem repórteres, e isso se reflete nos jornais. A rede mundial de computadores permite a qualquer um publicar informações. Aliás, foi dessa forma que veio à tona o caso do ex-presidente dos EUA Bill Clinton com a estagiária Mônica Lewinsky. A partir das páginas virtuais a notícia ganhou as cores dos meios de comunicação tradicionais.

Recentemente, no Iraque, uma manifestação da população do país contra ataques a civis foi ignorada pelas grandes agências de notícias, mas não passou despercebida pelos internautas, que cobriram o protesto. No caso do "tsunami", em poucos segundos milhões de pessoas puderam ver imagens da tragédia, divulgadas por pessoas comuns, quase na mesma hora do acontecimento.

A Internet como fonte jornalística é uma realidade, no entanto ainda não é possível saber o grau de confiabilidade do que é encontrado na Web. E observa-se que algumas normas tradicionais referentes às relações entre jornalistas e fontes continuam a vigorar nas TVs, rádios e impressos, mas elas se adaptam de uma forma menos usual quando as notícias refletem a Internet como produtora de conteúdo.

Como na rede as pessoas podem ler, ouvir e ver o que quiserem, a mídia perde o poder de mediação para sua audiência. Estando então o centro do controle desse novo meio, que influencia os demais, nas mãos de quem antes era apenas um consumidor passivo, subordinado às práticas determinadas pelas empresas jornalísticas, o que se percebe é o início de uma mudança da relação jornalista-fonte.

Cria-se um banco de dados gigantesco, feito por pessoas que antes seriam consideradas inadequadas para fornecer uma informação relevante à imprensa. Em uma pesquisa recente, feita com base nas notícias de um dos principais jornais de Portugal – o diário "Público" –, pude constatar que, nas matérias sobre a mídia, que abordam a Internet, 14% utilizam como fontes sites ou usuários, que jamais teriam voz nos padrões antigos do jornalismo.

O processo ainda é inicial, já que a Internet está em formação. Mas, se em poucos anos essa rede começa a desmontar conceitos estabelecidos há décadas, certamente provocará ainda muitas mudanças no jornalismo.

Sergio Denicoli, jornalista e publicitário, é mestrando e pesquisador de mídias na Universidade do Minho, em Portugal.

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